quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Entrevista com Muniz Sodré

Entrevista com Muniz Sodré (*)
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Baiano de São Gonçalo dos Campos, Muniz Sodré é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual já foi diretor. Com duas dezenas de livros publicados no país e no exterior (traduções), escreveu inúmeros artigos na imprensa e em periódicos especializados, além de proferir conferências e cursos em universidades da Europa e da América Latina. Um dos pioneiros no campo dos estudos comunicacionais, Muniz é, sem dúvida, o mais respeitado professor e pesquisador da área no Brasil, sendo a sua obra uma referência fundamental no acervo bibliográfico em língua portuguesa. Tem sido responsável, como orientador de dissertações e teses, pela formação de toda uma geração de novos pesquisadores.
Nesta entrevista, às vésperas de completar 60 anos, Muniz Sodré fala de seu percurso acadêmico e propõe uma revisão teórica da comunicação, em face de transformações decorrentes da aceleração tecnológica, da reconfiguração das noções de tempo e espaço e dos impactos provocados pela multiplicação de “tecno-interações” nas mídias. Ele anuncia também o lançamento daquele que considera o seu mais importante livro – Antropológica do espelho –, já no prelo, pela editora Vozes.



Qual a importância da teoria da comunicação na atualidade ?

Veja só, uma teoria é sempre uma hipótese provisória sobre um campo de conhecimento. Não há portanto uma teoria, há teorias da comunicação. São muitos olhares, muitas hipóteses sobre o que é o campo da comunicação. O conjunto das teorias americanas, todas dentro do quadro da sociologia da comunicação e que têm uma herança francesa por via de Gabriel Tarde, de Durkheim, foi levado aos Estados Unidos por europeus. Gente que mora nos Estados Unidos mas que vem da Europa e que fundou um campo de pesquisa em comunicação de massa, The Mass Communication Research. Todos esses trabalhos se dão no quadro da sociologia e da psicologia, sociologia da comunicação, psicologia da comunicação, escola americana, sociologia funcionalista. Ora para atender a mercados, ora para atender a governos, saber sobre a composição e o comportamento de multidões. As teorias francesas são mais especulativas, teóricas, têm mais a ver com linguagem e com discurso, filosofia. Eu sou mais francês nesse sentido, me formei na França, gosto do material mais filosófico, mais antropológico, do que da coisa de campo, sociológica.

As teorias sobre a comunicação, de modo geral, vão substituindo umas às outras, e tudo conflui para se chegar hoje à autonomia do campo comunicacional. Acho que o campo da comunicação já tem uma autonomia de questionamento com relação à sociologia, à antropologia, à psicologia. É isso, aliás, que estou desenvolvendo no momento, na minha pesquisa do CNPq, nos meus cursos aqui. O primeiro resultado de dois anos de trabalho é um livro que vai sair pela Vozes, no início de 2002, que se chama Antropológica do espelho. É uma teoria da mídia, tanto da mídia linear - rádio, televisão, cinema - quanto da mídia reticular - da mídia de rede que é a Internet. Estou preocupado com uma teoria particular, minha, da mídia, que apresento nesse livro.

Acho que nós já podemos falar em ciência da comunicação, quer dizer, uma ciência não no sentido positivista do termo — não é uma ciência experimental, nem indutiva, nem mesmo dedutiva. Mas uma ciência no sentido clássico, capaz de obter um consenso da comunidade de investigadores, de pesquisadores. Acho importante os estudantes conhecerem as muitas teorias da comunicação e refletirem sobre este campo, porque só assim é que o estudante, principalmente de graduação, vai distinguir a atividade comunicacional da atividade prático-profissional pura e simples, que é diferente. O campo comunicacional fala de um conjunto que já se constitui como um objeto teórico, enquanto a prática jornalística ou publicitária é uma prática recortada, que nem sempre recobre ou dá conta do que é efetivamente o objeto da ciência, do saber comunicacional. Então, é muito importante conhecer teoria da comunicação.



Qual a teoria que mais se adequa ao trabalho que o senhor desenvolve? As teorias francesas, no caso a semiologia?

A minha. A minha própria (risos). Eu estou realmente apresentando, no livro Antropológica do espelho, uma teoria da comunicação. Deixa eu ver se encontro uma boa síntese para dizer. Primeiro, há uma enorme transformação social no âmbito do espaço e do tempo. Quando você quer falar de mudança, de transformação social, você tem que pensar essa mudança a partir dos pressupostos, das categorias a priori em que a experiência, os fenômenos vão emergir, que são o espaço e o tempo. Tempo real e espaço virtual estão operando um redimensionamento do espaço temporal clássico, da temporalidade clássica, o real e o virtual. Aí está um ponto de poder que dá a especificidade do objeto da comunicação, exigindo uma nova antropologia ético-política da comunicação ou uma nova teoria da comunicação. Um desafio de redescrever o homem diante das novas tecnologias: esta é a questão da antropologia ético-política da comunicação. Redescrever como o homem, o indivíduo, o sujeito humano se situa diante de uma sociedade que é por inteira, mesmo nas suas zonas de pobreza, atravessada por tecnologias. Depois, levar em conta as transformações da consciência, dos jovens que agora estão brincando o tempo inteiro com computador, com videojogos, sob o influxo de uma ordem cultural que é de ordem simulativa.

Essa geração parece ter contato com o mundo das simulações. Ocorre um fenômeno novo, que nós poderíamos chamar de midiatização, diferente de uma interação qualquer. O que nós estamos observando agora é uma tecno-interação, uma interação por meio de tecnologia, que se processa desde o telefone até os meios de comunicação. Estamos assistindo a uma multiplicação, uma disseminação das tecno-interações na vida social. Pois bem, tudo isso que é midiatização é um processo abrangente, enorme na vida social; tudo isso diz respeito ao campo da mídia, dos meios de comunicação, mas a comunicação não se esgota aí. A comunicação diz respeito, na verdade, à vinculação, quer dizer, como e por que estamos socialmente juntos. Por que nós nos amamos, ou nos odiamos, nos respeitamos, por que nos matamos, ou por que morremos, às vezes, pelo grupo, numa guerra, para defender a família, sei lá... Significa, no fundo da questão da comunicação, a aproximação humana, e a questão da mídia é um dos aspectos dessa aproximação. A mídia diz respeito mais à relação do que a vinculação; o vínculo passa por músculo, passa por consciência, por carinho, afeto, passa por ódio. A relação é você botar identidades previamente estabelecidas em contato. E um terceiro aspecto é a cognição: como é que nós sabemos diluir isso, como refletimos sobre isso. O aspecto da cognição tem a ver com a ciência da comunicação, tem a ver com as teorias da comunicação. Você tem no campo comunicacional vários aspectos. Primeiro, o aspecto da vinculação, ou seja, até a relação amorosa, a relação entre pais e filhos é uma relação comunicacional, é um problema da comunicação também. Segundo, as relações coletivas, sociais, que envolvem mídia, é um problema de comunicação também, mais relação do que da vinculação. E, finalmente, a cognição que é a teoria da comunicação. Mas como foi que você tinha me perguntado no início?



Qual a teoria que mais se adequa ao seu trabalho.

Nessa teoria, eu quero mostrar que a mídia é feita de moralidades, por mais obscena, pornográfica e imoral que ela possa ser eventualmente com relação a conteúdos. Na verdade, ela é uma forma de moralidade, uma nova forma de moralidade consentânea e homológica com relação ao consumo, a moral de consumo, moral de consumidor, uma moral mercantil. É essa moralidade que faz, digamos assim, o território, o mundo da mídia, e é por isso que nós aderimos à mídia. Não é que ela faça uma moral de natureza religiosa, intimidatória; é uma moral de adulação da consciência. Você se veste com uma roupa tal porque a atriz ou o ator se vestiu dessa maneira, ou porque você viu pessoas elegantes vestidas dessa maneira e acha que você fica bem assim. Da mesma forma, você vai ter um comportamento moderno porque a mídia diz que é. É esse território, essa moralidade de consumo, de modernização, que faz a especificidade da mídia. A minha é uma teoria eticista da mídia, na qual a ética, portanto a teoria da sociabilidade, desempenha o papel central. É uma teoria ética da comunicação, ético-política.



O senhor acha que a bibliografia disponível é suficiente para dar uma base aos estudos de teorias de comunicação?

Acho. É uma bibliografia em construção. Você não está falando da brasileira, está falando da internacional, em geral. Eu acho que sim, há bons livros de introdução. Cito De Fleur, Mattelart, tem livros aqui no Brasil da Lúcia Santaella, do Lucian Sfez, tem introduções bastante abrangentes sobre teoria da comunicação, se quiser pegar diretamente todo o material do funcionalismo americano sobre comunicação. Agora, a bibliografia latino-americana, em língua espanhola, tem muita coisa, autores importantes como, por exemplo, Jésus Martín-Barbero, Aníbal Ford, Eliseo Verón. Aqui no Brasil, o campo se dispersa muito, mas tem um trabalho em pesquisa bastante razoável, revistas de comunicação bem feitas, bons trabalhos em análise do discurso, teoria da recepção, bons ensaios, boas análises. O que eu acho problemático é o seguinte: em geral os professores tendem mais a recorrer à bibliografia estrangeira do que a nacional. Mas toda a área é um pouco assim, as pessoas tem um fascínio muito grande pelo que vem de outra língua, não é só bibliografia. As pessoas acham que o produto importado é melhor, e às vezes é. Entre um perfume nacional e o francês ficaria com qual? Honestamente, o francês, não é? Os franceses têm uma fama de perfume, em geral os melhores são franceses.



Às vezes é melhor ler o original do que os comentários?

É, porque hoje os livros são muito comentários sobre comentários, interpretação infinita das coisas. Comenta-se o comentador, que comentou um outro comentador de um livro original. A questão da comunicação é muito antiga. Não sei se você sabe qual é o autor mais citado no mundo de livros de comunicação, é Platão. Fez-se uma pesquisa estatística e o autor mais citado em comunicação no mundo não é nenhum autor da área de comunicação, é Platão. Primeiro Platão, depois Aristóteles, mas Platão é mais citado por quê? A questão fundamental da comunicação é Platão, é uma questão antiga, é uma questão filosófica. A questão da comunicação vai desde a amizade política até a retórica, que é uma técnica política de linguagem. É a questão da mídia que está na Grécia, já. Passa pelos romanos e, depois, ficou muito adormecida na história do pensamento. É depois da guerra, já neste século, que isso explode com a chegada dos meios de comunicação. Mas quando se vai pensar radicalmente sobre o assunto, pensar profundamente sobre o assunto, você encontra Platão.



Na sua opinião, existe algum perfil específico do professor na área de teoria da comunicação? Um pesquisador, uma pessoa que seja pesquisadora e lecione também?

Eu acho que a área da teoria da comunicação é a mais comprometida com a academia, mais comprometida com o espírito antigo da universidade, também mais comprometida com a pesquisa, a idéia de pesquisa de reflexão, da elaboração. É mais para CDF, tem que ler mais filosofia, sociologia, mais leitura teórica. Segundo, são pessoas um pouco mais pobres, pessoas que optam pelo ganhar menos. Na prática, você pode trabalhar em jornal, mas, em geral, o pessoal de teoria só faz aquilo. O que é um erro, pois acho muito salutar, muito sadio, ser transversal, saber experimentar coisas práticas, você conhece melhor. A comunicação é um tipo de saber que exige isso, porque a prática pode ser reflexiva sobre si mesma e é um tipo de comunicação que exige que o saber que se produz sobre ela venha junto com a experiência na prática. Quer dizer que você precisa trabalhar com redação de jornal para saber o que se passa ali. Você tem pelo menos que tentar que a sua pesquisa entre nesta pratica de algum modo. É muito difícil falar de jornal, saber de jornal, sem ter tido o mínimo de experiência em jornal, ainda que seja a mesma coisa. Com a televisão é a mesma coisa. Bourdieu escreveu um livro chamado A televisão. É incompetente o livro dele porque raciocina a televisão como se fosse para jornal; ele fala da redação de jornalismo da televisão e tem apenas a presença do jornal na televisão. Ele não está falando de televisão, e sim do jornal dentro da televisão. É preciso saber essas distinções às vezes de dentro. Portanto é um campo difícil, mas que no meu entender já conquistou autonomia.

Você estava falando da relação professor-aluno, acho que esta relação não mudou, o que é um erro. A expectativa era de que, com a autonomia do campo da comunicação, houvesse uma transformação da maneira do aluno se relacionar com o professor, ou uma transformação na maneira de dar as aulas. Muitas vezes, as aulas requerem mais prática, que exige mais atividade do aluno, mas são dadas como fosse na escola de engenharia, ou seja o aluno sentado aprendendo cálculo. Na engenharia tem sentido, aqui pode não ter sentido. A universidade é muito pouco ágil para fazer essas diferenças. Às vezes, uma aula de redação é mais importante, é muito mais importante que o aluno leia determinado livro e produza experimentalmente o texto, ou que o professor discuta com ele este texto, depois dele ter lido, do que o professor ficar sentado em aula ditando a ele as regras de como fazer. Isso pode ser feito durante a própria prática de elaboração do texto. Você tem que remanejar a aula de outra maneira, com atividade de criação contínua por parte do aluno.

Um bom professor é aquele que sabe que às vezes pode ser derrubado pela criatividade de um aluno. E não querer, narcisicamente, que o sujeito apenas repita o que ele disse. O bom professor consegue ter alegria ao ver que o aluno soube encontrar um outro caminho, que ele soube partir dali para criar. Tenho, ao longo de minha história como professor, alunos que fizeram outra coisa, outro tipo de texto, mas sei que partiram de uma posição ali comigo. Tempos depois, você vai encontrar esse aluno e percebe que o cara soube disso, e é gratificante o respeito que ele tem por você. Às vezes, o aluno sabe durante o processo mesmo. O aluno bom estudante, ele vive como o filho na morte simbólica dos pais — o filho cresce matando simbolicamente os pais, tem o famoso conflito de filha com mãe, ou filho com o pai, faz parte. Com relação ao professor, é difícil mas necessário ao conhecimento, embora não seja a mesma coisa com relação a pai e mãe, mas tem uma transferência dessa ordem, é uma relação de amor e ódio, nesse sentido é onde a relação afetiva tem que se dar. A relação professor-aluno é extremamente importante, mas não se alterou muito nos cursos de comunicação, o que é uma pena.



Existe alguma bibliografia especifica que o senhor considere indispensável para trabalhar sua matéria?

Bibliografia específica? Platão, Aristóteles, tem uma bibliografia de filosofia, Baudrillard, Barthes, Eliseo Verón, além de livros sobre o Brasil, porque dou muitos cursos sobre cultura brasileira, questão da identidade nacional. Para mim, há livros fundamentais: Gilberto Freyre, Raimundo Faoro, Octávio Ianni, sem falar em Lima Barreto e Machado de Assis. Tudo isso eu incorporo à teoria, pois acredito que a teoria da comunicação deve ser incorporadora da ficção.

Vou fazer três perguntas com relação a livros seus. Em seu livro O monopólio da fala, o senhor atestava que a televisão suplantou, em termos quantitativos, a imprensa, o rádio, cinema e teatro. Acredita que isso vem ocorrendo com a Internet?

Não, Internet é mídia de mídia, estou repetindo um clichê, a televisão também é mídia de mídia, incorporava rádio, jornalismo. A Internet incorpora um pouquinho de cinema, telefone, correio, até relações amorosas. Pode vir a incorporar e suplantar, mas ainda não suplantou, porque o cinema na Internet é chato, devido aos problemas técnicos, da mesma forma com o rádio. Eu diria que a Internet, até agora, ainda é um balcão de negócios, não sei qual é o volume real de negócios da Internet, mas é muita publicidade. É um meio de trocas de cartas e de recuperação de dados, nisso acho que a Internet é imbatível. Mas não creio que no entretenimento ela tenha suplantado a televisão. Em determinado momento, a televisão parecia jurássica, mas, quando ela se digitalizar e juntar-se com o computador, acho que será uma renovação. Toda essa coisa do aparelho de DVD, ou a televisão digital que se anuncia. Ou, digamos, se ao contrário a televisão sumir em função do computador, o computador sumir em função da televisão, a net, a rede, passará para a televisão que já existe. Acho que a televisão também se renovou porque ela não é um bloco único, ela tem várias gerações e nós estamos numa geração da TV fragmentada e digitalizada .



No seu livro A comunicação do grotesco, foi ressaltado que a redução de custo de serviços informativos para o consumidor ampliava o financiamento publicitário no país, naquela época, e que isso era fundamental para a expansão da indústria cultural. O senhor pensa que esse tipo de investimento agora, no caso das televisões por assinatura no Brasil, é semelhante ou há diferença?

Não, são investimentos diferentes. Esse investimento publicitário na televisão de massa é um primeiro modelo. O que é a televisão dependente de investimentos publicitários e ao mesmo tempo a televisão dirigida a um público amplo e disperso, que pressupõe uma audiência continuada da programação. A televisão a cabo é a televisão fragmentária, que pressupõe um tempo flexível da audiência, uma relação de custo direto, de negociação direta entre ela, por exemplo pay per view, você paga e recebe, é um outro tipo de financiamento. Nós não temos, portanto, o fordismo, a televisão em série, maciçamente vendendo e o capital se acumulando. Essa é a televisão mais correspondente ao capitalismo flexível, o chamado regime pós-fordista de produção. Ou seja, maior liberdade de uso para o consumidor. A televisão de hoje combina investimento publicitário com a venda direta. Tem outro tipo de relação.


Em relação a seu livro A máquina de Narciso, o senhor ainda acredita em um individualismo caracterizado pelo isolamento dos telespectadores, ou acha a televisão construtiva para uma autocrítica da cultura? Dadas as diferenças culturais e sociais no Brasil, o senhor acha que isso é possível?

Do futuro eu não sei nada. Mas diria que se mantém, com relação a O monopólio da fala, a mesma hipótese de passividade do consumidor. Só que essa passividade aí não é entendida como passividade motora, não. Passividade com relação a iniciativas culturais. As pessoas de agora podem ser ativas manualmente, ficar o tempo inteiro zapeando a televisão. As crianças que lidam com videojogos derivados da televisão são muito ativas mentalmente, muito rápidas nos jogos, a atividade motora da criança é muito maior também. A diferença na escola entre essas crianças e as minhas filhas, que já são adultas, é enorme. As minhas filhas sempre foram brilhantes, falam línguas desde... Mas a minha neta, de dois anos, é melhor, é mais ativa do que elas verbalmente. Eu a vi anteontem cantando em inglês na escola bilíngüe Miraflores, em Laranjeiras. A pronúncia, para uma criança de dois anos, é impressionante. Eu fiquei olhando, assim, meu Deus, de onde é que vem isso? Eu vejo outras crianças que conseguem a mesma coisa, o mesmo resultado. É uma agilidade verbal, uma espécie de atenção que tem a ver com essas excitações da televisão, as múltiplas excitações que vêm do vídeo e também das atividades das pessoas em torno disso. Por via também de línguas estrangeiras, as crianças estão mais ativas. Não sei se vão ser mais criativas do que as outras, esse é outro problema, é preciso ter cautela. Tudo isso pode ser uma cultura de simulações e repetições, com uma excitação motora muito grande. Agora, se essa excitação corresponde a uma relação amorosa com a criatividade e com o mundo, eu não sei dizer. De certo modo, essa excitação à rapidez é a mesma excitação da droga. Têm drogados ou psicóticos depressivos conheço que, quando tomam o remédio que estabiliza a depressão, precisa ver a inteligência que demonstram. Têm amigos meus, adultos, velhos, que estão na beira do surto, você precisa ver a memória, a inteligência, a fala como vem. Qualquer criança de dez, doze anos que viva no computador me derrota facilmente naqueles jogos. Porque é outro tipo de atividade. Mas essa atividade se traduz numa produtividade cultural, numa iniciativa cultural? Eu não sei, acredito que não, porque ela está numa relação de responder cada vez mais rapidamente, inteligentemente, aos estímulos que vêm da mídia.



Entre os seus livros sobre comunicação, qual o senhor considera mais completo, mais atual?

Eu gosto muito dos meus livros sobre cultura nacional: A verdade seduzida, O terreiro e a cidade, que não lidam diretamente com comunicação. Eu tenho um que combina as duas coisas, Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil, no qual falo da mídia negra. Agora, especificamente sobre comunicação, acho que O monopólio da fala e Reinventando a cultura têm mais atualidade. Entreguei outro livro à editora, junto com a professora Raquel Paiva, que retoma a questão do grotesco na televisão e nas artes em geral, que vai se chamar O império do grotesco, a sair também no próximo ano. Acabou de sair um livrinho meu na Argentina, em espanhol, sobre violência, mídia e sociedade. Eu acho que este livro que vai sair pela Vozes, Antropológica do espelho, talvez seja o meu melhor livro sobre comunicação.



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(*)Entrevista concedida a Rosane da Conceição Pereira e Christiane Rangel Sauerbronn dos Santos.

Edição final de Dênis de Moraes e Luís Carlos Lopes, professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense.

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Notas:

1. A transcrição e a edição do texto visaram manter, na medida do possível, seu sabor de diálogo franco entre um intelectual experiente e duas jovens entrevistadoras.

2. A entrevista faz parte dos esforços de pesquisa do projeto intitulado “Teorias da Comunicação: possibilidades e problemas”, sob a coordenação do professor Luís Carlos Lopes.


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