quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Diários ìntimos na era digital/diários públicos,mundos privados

DIÁRIOS ÍNTIMOS NA ERA DIGITAL
DIÁRIOS PÚBLICOS, MUNDOS PRIVADOS
*Rosa Meire Carvalho
“A Web refletirá a humanidade se nós pusermos nossas vidas on line”

(Justin Hall)

Apresentação

O presente ensaio representa um esforço de trazer à luz a história dos diários íntimos desde o surgimento até os dias atuais quando se manifesta o fenômeno dos diários digitais na internet. O trabalho busca compreender a evolução dos conceitos de público x privado, a partir do diarismo e reflete o estudo que atualmente desenvolvemos em nossa pesquisa no Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.

Ao realizarmos este ensaio, nosso objetivo é também contribuir para revelar uma área de estudos de bibliografia praticamente inexistente no Brasil. Dada a dificuldade da existência de obras que tratem da origem e desenvolvimento da tradição do diarismo, nosso trabalho foi norteado pelo livro da pesquisadora americana Cinthia Gannett, especialista em estudos sobre diários íntimos, que escreveu em 1992: Gender and the Journal: Diaries and Academic Discourse, pela Universidade do Estado de Nova Iorque (SUNY), ainda sem tradução no Brasil. Como estudiosa do assunto, a obra de Gannett nos oferece uma preciosa contribuição.

Introdução

A Web design e programadora de Web Tv, C.J. Silverio, 34 anos (julho 2000) começou a escrever o diário chamado Ceej`s Black Book aos 30 anos. “Decidi escrever meu diário porque eu queria tocar outras pessoas diretamente, intimamente. Porque estou fascinada pela idéia de deixar que outras pessoas saibam o que se passa em minha mente”. [1]

Justin Hall, um dos pioneiros do gênero na rede, admite que entre os motivos que o movem a escrever um diário íntimo está a necessidade de partilhar as experiências: “Porque nós estamos sozinhos. Nós necessitamos de mais amigos ou ouvidos simpáticos, pessoas que possam ouvir nossas estórias e falar-nos as suas próprias, ou nos dizer onde elas foram mudadas. Nós gostamos de ler as estórias de outras pessoas porque elas nos ajudam a afirmar a nós mesmos. Fora dali nós não estamos sozinhos (...) colocar nossas vidas on line não significa conduzir nossas vidas on line, mas utilizar um veículo de partilha sem precedentes. Nós interagimos no mundo real e usamos o ciberespaço para colaborar, dividir e conjurar novas possibilidades”. [2]

Hall estreou como escritor de diários íntimos na rede em janeiro de 1994, aos 21 anos de idade, quando era estudante da Faculdade Swarthmore, no estado americano da Pensilvânia, onde mais tarde passou também a dar aulas sobre ética na Web. Ele produziu o diário Justin’s Links from the Underground3, passando a fazer dele um livro aberto sobre a sua própria vida, publicando tudo em detalhes: bebedeiras, divagações à toa, as doenças sexualmente transmissíveis que contraiu, viagens, as amizades, as aulas na faculdade, namoros, o suicídio do pai e até as próprias fotos nu ou urinando.

Desse jeito aberto, Justin foi conquistando fãs e atraindo cada vez maior número de leitores – atualmente o diário dele recebe sete mil entradas ao dia.



“A Web é uma oportunidade para fazer bem nossos quinze minutos de fama. Já que as páginas da Web atingem qualquer meio existente, você pode construir seu site em sua própria imagem. Você pode ser único, porque não existem expectativas. Muitas pessoas criam home pages pessoais movidas apenas por amor e curiosidade(...) Isto é o que é rico e maravilhoso na Web. Quando você descobre a “página do trenzinho elétrico” (...)alguma garota apaixonada por trens pode sentir-se influenciada a construir a própria home page em que ela venha colocar uma foto da própria trilha, onde apareça ela e o filho brincando com os trens e uma lista de esquemas de trens que ela mesma desenhou. Talvez outros entusiastas sejam inspirados a construir suas próprias home pages e logo existirá uma comunidade de entusiastas de trens” [3]

Tudo indica que o raciocínio de Hall estava correto. Pelo menos no que se refere ao entusiasmo de novos diaristas e escritores de jornais, o processo tem acontecido dessa maneira e o próprio Justin tem servido de exemplo. Em 1997, fascinado pelos diários íntimos desse estudante na internet, o cineasta americano Doug Block resolveu seguir os passos dele e, estimulado, montou com a ajuda de Justin a própria home page onde passou a escrever os diários íntimos. A experiência de Block fez parte de um conjunto de iniciativas que incluía a realização do filme documentário Home Page sobre os diaristas on line. Lançado recentemente no circuito comercial de Nova Iorque, o filme de Block chegou até mesmo a receber o prêmio do festival americano Sundance, de melhor documentário. “Você não pode fazer um documentário pessoal deste tipo com conceitos tão rígidos... A única coisa que eu realmente sabia era que eu não sabia que a questão era sobre o nível pessoal que é. Aos poucos eu descobri isso quando eu me deixei levar”. [4]

Cenário Contemporâneo

Este cenário de diários e jornais pessoais escritos num suporte específico, a tela do computador, e publicizados nas home pages pessoais é, acima de tudo, um cenário contemporâneo. E isto só foi possível devido à revolução tecnológica que vem se processando nos últimos trinta anos. A informática tem cada vez mais se associado às telecomunicações, invadindo todos os campos do saber e das sociabilidades humanas. E, como lembra Lévy :

“(...) Eu mesmo tentei mostrar em La Machine Univers que o computador havia se tornado hoje um destes dispositivos técnicos pelos quais percebemos o mundo, e isto não apenas em um plano empírico (todos os fenômenos apreendidos graças aos cálculos, perceptíveis na tela, ou trazidos em listagens pela máquina), mas também em um plano transcendental hoje em dia, pois, hoje cada vez mais concebemos o social, os seres vivos ou os processos cognitivos através de uma matriz de leitura informática” (Lévy, 1998, p.15).

Sem a revolução informática seria impensável hoje em dia a existência de diários e jornais escritos na tela do computador e, para que eles se difundissem da forma como hoje são encontrados, foi necessária a existência da internet como veículo. É a rede mundial de computadores o “nicho ecológico” dos diários e jornais on line. É nesse novo ambiente que eles são publicizados por seus autores em muitas partes do globo, dando vida a um fenômeno contemporâneo: a tribo de escritores de diários e jornais íntimos.

Se há seis anos os diaristas e escritores de jornais podiam ser contados na rede, hoje isso não é mais possível. O pioneirismo de Justin Hall e outros americanos gerou uma infindável produção de home pages pessoais com esta finalidade em vários pontos do globo. O número de interessados no assunto cresceu tanto nos últimos seis anos que passaram a surgir anéis de site (webrings) para alocar aqueles que desejassem participar de uma comunidade de diaristas e escritores de jornais pessoais.

Entre os primeiros anéis de site estão o Open Pages [5], fundado em 1996, o Often[6], em 1997, Archipelago [7] e Metajournals[8], todos americanos. Quem decide agrupar-se a um desses anéis é obrigado a seguir regras próprias definidas por cada um deles. Há variações de acordo com os objetivos do anel, como por exemplo, a periodicidade e a freqüência com que os diários e jornais devem ser publicizados. Muitos, como o Often, exigem que os filiados publicizem os diários senão diariamente, pelo menos quatro vezes por semana. Outros como o Archipelago são mais flexíveis, cobrando a freqüência uma vez a cada sete dias, no mínimo. Alguns anéis, como o Open Pages, chegam até a prestar informações sobre como se deve fazer para se tornar um diarista.

Tensão Público x Privado

Até 1994 quando começaram a surgir os primeiros diários e jornais pessoais na internet, a concepção que se tinha sobre o diarismo era exatamente oposta àquela atualmente apresentada pela versão on line. Pelo menos no que diz respeito à publicização de seu conteúdo, os diários e jornais pessoais on line desfazem totalmente uma tensão fundamental existente em boa parte da tradição do diarismo: a de que eles não eram escritos para serem publicados. O diarismo on line modifica assim a natureza dos diários e jornais pessoais, quebrando com a tradição existente em grande parte do diarismo manuscrito. Por outro lado, a história do diarismo registra casos em que diários ou jornais eram escritos com a decisão de seus autores de que em algum momento eles viessem a ser publicados. Nessa fase, portanto, já havia uma tendência de a tensão privado x público se desfazer. Entende-se, nesse contexto, o sentido de privado como aquele de natureza íntima, pessoal; e público, o de dar publicidade, conhecimento público por qualquer meio ou material.

Um dos exemplos mais famosos deste último perfil de escritores é o Diário de Anne Frank, publicado orginalmente em 1947. No prefácio à última edição em português da obra, o editor descreve o processo de escrita e impressão do diário:

“Anne Frank a princípio escreveu estritamente para si mesma. Até que, num dia de 1944, Gerrit Bolkstein, membro do governo holandês no exílio, anunciou numa transmissão radiofônica que depois da guerra esperava recolher testemunhos oculares do sofrimento do povo holandês sob a ocupação alemã, e que pudessem ser postos à disposição do público. Como exemplo, mencionou especificamente cartas e diários.

Impressionada com aquele discurso, Anne Frank decidiu que, quando a guerra terminasse, publicaria um livro baseado em seu diário. Então começou a reescrever e organizar o diário, melhorando o texto, omitindo passagens que não achava suficientemente interessantes e acrescentando outras de memória. Ao mesmo tempo, continuava escrevendo seu diário original. O ‘The Diary of Anne Frank: The Critical Edition’ (1989), o primeiro diário de Anne sem cortes, é citado como versão a, para distingui-lo do segundo, modificado, que é conhecido como versão b.

A última anotação do diário de Anne data de 1º de agosto de 1944, três dias depois, em 4 de agosto, as oito pessoas escondidas no Anexo Secreto foram presas. Miep Gies e Bep Voskuijl, as duas secretárias que trabalhavam no prédio, encontraram os diários de Anne espalhados pelo chão. Miep Gies guardou-os numa gaveta. Depois da guerra, quando ficou claro que Anne estava morta, ela deu os diários, sem ler, ao pai de Anne, Otto Frank.

Depois de longa deliberação, Otto Frank decidiu realizar a vontade da filha e publicar seu diário. Ele selecionou material das versões a e b, organizou-os numa versão mais curta, posteriormente citada como versão c. Leitores de todo mundo conhecem esta versão como O Diário de Anne Frank" (Frank & Pressler, 1988,p. 5-6)

A decisão de Anne Frank de escrever um diário para ser publicado é um exemplo claro da extinção da tensão público x privado existente em grande parte da história do diarismo privado.

Em vez de um jornal particular, Ringelblum tornou-se famoso por ter coordenado e ajudado a escrever um diário coletivo no gueto de Warsaw durante a Segunda Guerra Mundial, dois meses após a invasão da Polônia pelos alemães, em 1939. Com bom trânsito entre os nazistas, Ringelblum aproveitou-se da posição neutra no gueto para montar um valoroso retrato dos horrores da guerra. Notes from the Warsaw Ghetto é o testemunho em cem volumes do dia-a-dia do gueto de Warsaw, relatado através de dados, entrevistas, reportagens. Para escrevê-lo, Ringelblum contou com a ajuda de dezenas de voluntários que foram treinados por ele próprio para essa missão: “Notes from de Waraw Ghetto é um jornal exemplar desta tradição. Uma poderosa contagem do dia-a-dia da invasão, ocupação e aniquilação ultimada do gueto judeu de Warsaw. É não tanto um jornal de um homem, mas um jornal de uma comunidade, de um período histórico” (Lowenstein, 1994, p. 145) .

A Tradição de Diário e Jornais

Embora o termo diário tenha ganho, atualmente, o sentido ligado ao privado, pessoal, íntimo, nem sempre foi assim. Diários coletivos como os de Ringelblum fazem parte dos jornais de tradição comunitária, cujo registro na história é bem antigo, como lembra Lowenstein:



Apesar da força inicial da tradição coletiva dos diários, lembrada por Sharyn, o caráter privado do diarismo aparece como um traço forte e conformador a partir do Renascimento europeu. Esse modelo de escrita, no entanto, nasce bem antes no oriente, com as mulheres da corte de Heian (794-1185), no Japão, que já no século X mantinham pillow books (livros de travesseiros). Entre os mais antigos está o diário de Sei Shonagon (966/67-1013?) - diarista e poeta, moça prendada da corte -, considerado o melhor retrato moderno da vida da corte no período de Heian. O diário de Shonagon, intitulado Makura no Soshi, cobre o período da vida dela na corte. Shanogan usou os diários como material de recordação de impressões e observações do dia-a-dia. Ali ela classificou pessoas, situações, eventos e objetos que circularam em torno dela. O pillow book é classificado no gênero de zuihitsu (escrita rápida) e considera-se que outros diários da corte de Heian indicam que eles podem ter sido mantidos por homens e mulheres.

A pesquisadora americana Cinthia Gannett aponta no latim a origem dos termos jornal e diário:

“Os termos jornal e diário vêm do latim, significando dia ou diário, referindo-se a dia de trabalho, dia de viagem ou entrada diária de informação.

Jornal vem do francês antigo journal, significando diário; do latin diurnal, de ou pertencente ao dia. Os primeiros usos do termo parecem datar da metade do século XIV e se referem aos livros de serviços religiosos contendo as horas do dia. O termo aparece como verbete do dicionário inglês Oxford em torno de 1355-56; e cem anos depois, 1454, aparece outra referência, quando a palavra journal é usada para referir a viajar, além de próprio itinerário ou para recordação de viagem.

Na área do comércio, por volta de 1540, o termo jornal é usado para se referir à manutenção de um livro diário (*categoria contábil existente até hoje), onde se lançam os débitos/créditos; em encontros públicos o termo jornal é usado para se referir a recordações diárias de eventos do dia ou transações realizadas por corpos públicos – as recordações dos procedimentos diários do parlamento são chamadas journals ­– ou instituições, jornais diários e outros periódicos públicos, e por recordações pessoais mantidas para uso oficial ou privado.

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Desde o momento de sua cunhagem, o termo diário parece estar próximo de um sinônimo exato para jornal, representando uma recordação diária de eventos, ambos público e privado (...)” (Gannett, 1992, p. 105-106)

O marco do diário pessoal surge no século XVII, com o escritor inglês Samuel Pepys, que escreveu em escrita taquigráfica entre 1660 e 1669. Os sessenta e quatro volumes dos diários, no entanto, precisaram ainda ser descobertos, decifrados e, finalmente, publicados, o que só veio a ocorrer no século XIX, em 1825. Enquanto Pepys tornou-se o paradigma dos jornais pessoais, outros dois ingleses, John Evelyn, que escreveu diários entre 1641-1706, mas foram publicados em 1818; e James Boswell, que teve publicado o diário em 1785, são considerados os maiores praticantes.

Os jornais e diários evoluíram de quatro classes de pré ou proto diários conforme a classificação do pesquisador Robert Fothergill, citado por Gannett: jornais públicos, jornais de viagem, jornais de memorando pessoal, análogos aos livros comunitários (commonbooks) e jornais de consciência ou espirituais. Como já observamos acima, os jornais públicos são, em essência, tão antigos quanto a própria escrita. Eles incluem recordações e relatos, diários militares, e recordações de campanhas militares ou expedições científicas.

Os jornais de viagem são uma das mais recentes formas de pré-diários. No Japão do século X em diante o jornal de viagem foi um importante acompanhamento para muitas viagens feitas por padres ou oficiais. Incluem prosa descritiva e narrativa, além de poesia. Era um gênero altamente observado por seu valor histórico e literário. No século XVII ele funcionou como parte do rito de passagem da educação de rapazes, o Grand Tour.

O Commonplace book, por sua vez, é um ancestral dos jornais de leitura, quotas, observações, notas e o desenho do que pessoas letradas, particularmente estudantes, escritores e artistas têm mantido por séculos. Parece que o commonplace book serviu como um programa de auto-educação e era muito comum, se não essencial, auxiliar do trabalho de estudantes, possivelmente porque a publicação de livros era rara e cara até recentemente. Um exemplo ainda vivo do Commonplace book é o Common-Place Book of the Fifteenth Century, escrito por um anônimo ou anônimos residentes de Sussex, Inglaterra.

Jornais de Consciência ou espirituais são ligados às formas antigas de autobiografia espiritual, mas tomam forma específica quando são adaptados pelos “não conformistas” ou dissidentes, grupo religioso do século XVII. Citando os autores Fothergill e Brian Dobbs, Gannett diz que os puritanos, mais tarde os Quakers, Metodistas e outros grupos que desafiaram a autoridade externa em matéria de crença pessoal, voltaram-se para a punição e a rigorosa auto-examinação espiritual, para o que encontraram no diário uma ferramenta muito útil.

Ela lembra, ainda, que na América, ordenado primariamente por dissidentes protestantes, o diário espiritual tornou-se uma das mais antigas tradições literárias, atuando como modelo central da tradição, junto com diários de viagens até o Século XIX. O diário de consciência pavimenta o caminho para os jornais seculares que também tocarão sobre a realidade interior do diarista, de preferência à interpretação da realidade externa. (Gannett, 1992, p. 105-110)

O Eu Como Texto

Ao contrário do que se possa pensar, dentro da tradição do diarismo a idéia do diário como um livro do eu e ligado às mulheres é bem recente. Data da metade do século XIX quando ganha o incentivo da manifestação do romantismo como movimento cultural, e da psicologia com o conhecimento da estrutura consciente e da natureza inconsciente do ser.

Para Gannett, como o diário ou jornal pessoal torna-se crescentemente afiliado com a rigidamente demarcada esfera de mulheres do Século XIX, ele provavelmente sofre uma perda de prestígio que pode bem ter apressado a partida de homens do ranking de seus praticantes e contribuiu para pejorar o termo diário:

“(...) no curso do Século XIX, como a divisão entre esferas públicas e privadas veio crescentemente dividir a vida de mulheres e homens, aqueles aspectos da cultura associados com o privado tornaram-se o domínio de mulheres. Simultaneamente, mudanças de idéias do eu influenciadas pelo romantismo, a revolução industrial, a descoberta do inconsciente contribuíram para as mudanças no conteúdo e função dos diários. Com a idéia moderna do diário secular como recordação “secreta” de uma vida interior desenvolvida, aquela vida interior – a vida de reflexão pessoal e emoção – torna-se um importante aspecto da ‘esfera privada’. Mulheres tornaram o diário como um lugar onde elas foram permitidas, sem dúvida, encorajadas a indulgir completamente o “autoconhecimento”. Homens americanos desacostumados a explorar e expressar a vida interior, exceto em termos religiosos, encontraram tanto o eu secular emergido quanto o necessário objeto do diário, a forma menos e menos complacente para eles” (Gannett, 1992, p. 141-142).

Esse crescente desinteresse de homens pela escrita de diários e jornais não faz jus à tradição do diarismo. A história dos diários e jornais é muito mais de homens do que de mulheres. Gannett problematiza a questão avaliando-a ideologicamente, preocupada em retirar o caráter marginal dado a essa escrita considerada de mulheres. Segundo ela, o estudo da tradição denota que o diarismo é um gênero: “elitizado, europeu, branco, heterossexual e masculino” e queixa-se de que “até recentemente o discurso sobre diários e jornais tem sido conduzido por homens sobre homens, usando critérios masculinos para avaliar trabalhos, que têm marginalizado ou elidido a tradição do diário de mulheres. O segundo problema é que diários masculinos têm geralmente sido considerados mais importantes e, além do mais, têm sido freqüentemente preservados”(Gannett, 1992, p. 119-120).

As condições em que jornais de mulheres têm sido preservados ou publicados pode, segundo Gannett, ter trabalhado para “trivializar” a tradição de jornais de mulheres. Primeiro porque jornais e diários escritos por mulheres eram exceção à regra até recentemente; segundo porque menos mulheres foram literatas em relação ao homem, que certamente impediram algumas mulheres de escreverem um jornal.

Ela cita como importante dado a pesquisa apresentada pela estudiosa americana Penelope Franklin, sobre diários de mulheres:

“o que eu encontrei entusiasmou-me: a vasta maioria de jornais publicados era de homens. Os milhares de diários de mulheres não publicados estavam em arquivos através do país – milhares, concluí, estavam nos porões como o meu. Eu notei que diários de homens publicados eram freqüentemente estórias de exploração, guerra, política ou aventura; ou eram diários de famosos escritores ou figuras históricas. O diário de mulheres publicados eram às vezes por mulheres famosas, mas freqüentemente eles o eram pela esposa, mãe ou irmã de um homem famoso. Porque mulheres não estavam na maior parte escalando montanhas ou correndo para o escritório, ninguém tinha considerado seus diários particularmente interessantes”.

Cinthia Gannett conclui que “na área do sujeito ou conteúdo, homens escolhem mais facilmente o que querem focar sobre seus eventos públicos, eventos pessoais, atividades ou a vida interior da mente. Então seus jornais são mais privados ou pessoal por escolha. Mesmo seus diários pessoais são mais freqüentemente publicados do que o de mulheres (...) em contraste, jornais de mulheres tendem a ser ‘privatizados’ do que simplesmente privados por escolha (Gannnett, 1992, p. 121).

Na tradição dos diários de mulheres na Europa e nos Estados Unidos, através dos séculos XVII, XVIII e XIX, esse gênero de escrita acaba refletindo o modo como as mulheres atuavam socialmente. Embora a tipologia de jornais e diários de mulheres siga basicamente a dos homens – incluindo jornais públicos de comércio e políticos, de viagem, livros comunitários, científicos e naturalistas, espiritualistas e jornais de memória pessoal – a tradição liderada por elas aparece mais freqüentemente sob a ótica do privado.

Conforme Gannett, isso se deve ao fato de que os diários acabavam expressando a vida social da mulher, freqüentemente voltada para a parte doméstica e espiritual:

“Tendo um cenário restrito de audiência, mulheres tendiam a escrever para outras mulheres, freqüentemente amigas íntimas, a família, os filhos, e, por fim, qualquer pessoa. Por outro lado, elas escreveram para elas mesmas ou para o diário partes do que elas podiam ou não podiam falar com outras pessoas de seu círculo imediato ou social” (Gannett, 1992, p. 131).

Recordando o escritor Margo Culley, Gannett sintetiza, afirmando que “mulheres diaristas escreveram como historiadoras da família e da comunidade. Elas recordaram em esquisitos detalhes os nascimentos, mortes, doenças, viagens e ocorrências incomuns que fizeram o tecido de suas vidas” (Gannett, 1992, p.133)

Gannett cita Tristine Rainer para dizer que no Século XVIII, por exemplo, com a expansão americana para o Oeste, segundo Gannett, o jornal teve importante papel na manutenção e reconstrução de redes de relações e do eu de mulheres:

“Literalmente centenas de mulheres pioneiras americanas criaram uma rede de correspondência e suporte mútuo que se estendeu da Carolina do Norte até Massachussets e foi baseada sobre uma divisão de interesses na escrita de jornal. De fato, muitas mulheres dependiam do diário para preservar sua história e cultura, o que faz com que 200 anos depois muitas pessoas pensem o jornal como primariamente um modo de expressão de mulheres” (Gannett, 1992, p. 134)

É importante notar, que as várias funções que jornais e diários assumem ao longo da tradição realizada por mulheres marcam uma diferença em relação à prática realizada a partir da segunda metade do século XIX. É aí, como já vimos, que o entendimento sobre o eu e sobre a consciência mental e emocional ganham contornos definidos e possibilitam às mulheres a produção de diários e jornais com este conteúdo. São exemplos dessa fase o diário de Marie Baskirtaff (1860-84), a jovem artista russa; Marie Bonaparte, psicanalizada por Freud e que mais tarde tornou-se psicanalista; e o diário de Carl Gustav Jung. Este jornal secular vai evoluir para aquilo que, segundo Gannett, Tristine Rainer chama de “o Novo Diário do Século XX, que estará associado com a exploração da criatividade, crescimento pessoal (significando o crescimento do todo da pessoa), reparação ou terapia” (Gannett, 1992, p.141), que tem como uma das mais conhecidas praticantes a escritora americana Virginia Woolf. Vítima de incesto e violência sexual desde criança até a idade adulta, os diários permitiram que ela começasse um processo de reconstituição do próprio eu. Ela chegou a relatar que “a melancolia diminui quando escrevo” (Gannett, 1992, p. 147).

O Tradicional x O Contemporâneo

A julgar pelas declarações de diaristas online como Justin Hall, muita coisa parece ter mudado em relação à função que atualmente desempenha o diarismo on line em relação a seus antecessores de suporte manuscrito e impresso. Como vimos acima, Justin declarou que um dos motores que faz vibrar o desejo dele em escrever e publicar o diário online: “Porque nós estamos sozinhos. Nós necessitamos de mais amigos ou ouvidos atentos, pessoas que possam ouvir nossas estórias e falar-nos as suas próprias, ou nos dizer onde elas foram mudadas”.

Mais de duzentos anos antes, a mais notável diarista inglesa do século XVIII, Fanny Burney, praticamente evoca em seu diário as mesmas palavras de Hall para explicar o impulso de escrever: “escrevo pela necessidade de confidenciar os pensamentos secretos para os ouvidos simpáticos do diário” (Gannett, 1992, p. 138).

O que parece ter mudado mais enfaticamente foi a relação dos diários com a audiência. Enquanto Fanny Burney escrevia “pensamentos secretos para os ouvidos simpáticos do diário”, Justin Hall está interessado “em mais amigos ou ouvidos atentos”. É uma diferença fundamental. O diarismo online contemporâneo ou como podemos chamar de o novíssimo diário, é escrito para que a larga audiência possibilitada pela internet possa lê-lo. O caráter privado que acompanha a tradição do diarismo, especialmente de mulheres, desaparece, dando lugar ao diário online de caráter estritamente público.

Citando Fothergill, Gannett lembra que Funny Burney nomeou os diários de “Miss Nobody” (senhorita ninguém) e escreveu: “para ‘Nobody’, então, escreverei meu jornal! A partir de ‘Nobody’ posso eu ser totalmente não reservada – para ‘Nobody’ posso eu revelar cada pensamento, cada desejo de meu coração, e a mais persistente sinceridade até o fim de minha vida”. Gannett conclui que “os diários de Funny Burney ou o que foi deixado deles, são, sem dúvida, pessoais; eles contêm, precisamente, os tipos de coisas que ela não diria alto ou escreveria para outros lerem” (Gannett, 1992, p. 138).

Pode-se dizer que a privatização do conteúdo dos diários e jornais não é exatamente o lema dos diaristas on line que se expandem cada vez mais no ciberespaço. Ao contrário. O desafio de quem publica uma home page pessoal na internet é, cada vez mais, arrebatar pessoas interessadas em conhecer o conteúdo do que é publicado. No começo da história do diarismo on line o conteúdo desses diários e jornais estava voltado especialmente para narrativas do eu, como as experiências pessoais de Justin Hall.

Atualmente, o espectro de tipos de diários tem se expandido cada vez mais e incluem diários por temas. Além de sites tradicionais como os de Hall ou de Carl Steadman, Julie Petersen, Diane Pattersen, e C. J. Silverio, há também na Web diários e jornais que agregam pessoas que por algum motivo se identificam. O link do Diarist.Net,[9] por exemplo, agrupa extensa lista de diaristas com características em comum, entre eles: Mommies & Dadies, homens e mulheres que têm filhos; Artists, de diaristas envolvidos com arte; Bookworms, dos diaristas que gostam de ler; Back Talk, jornais com fórum de mensagem interativa; Best Years of Our Lives, diaristas que têm em comum a data de graduação no ginásio; Colored Pages, diaristas descendentes de africanos e latinos; Funny Pages, diários de humor; the Journal Click, jornais com webcams.

Fora do Diarist.Net há milhares de exemplos, como o Diet Diaries[10] , que traz como lema: "a dieta perfeita não tem que permanecer secreta". O site foi criado para ajudar pessoas a dividirem experiências relacionadas a perda de peso através de dietas. Criar o diário, segundo o inventor do site, foi uma maneira de fazer com que pessoas tímidas em falar da própria experiência tivessem um local ideal para fazê-lo.

A passagem do diário manuscrito e impresso para o novíssimo diário, o diário on line, portanto, acaba de vez com a tensão do privado x público. A mudança do suporte (papiro-pergaminho-papel) dos diários manuscritos e impressos para o suporte computador gera outras modificações que vão atingir a tradição do diarismo.

Escritos com a intenção de serem publicizados, os novíssimos diários não mais precisarão de intermediários para serem veiculados. Qualquer um que disponha de um computador, uma linha telefônica, algum software apropriado para elaborar o site, e a conexão com um provedor internet pode transformar o padrão de comunicação existente, tornando-se produtor, em vez de apenas consumidor.

E é essa oportunidade que vêm utilizando com mais freqüência as mulheres. Em anéis de sites, como é o caso do Archipelago, diários de mulheres se sobressaem em número ao de homens. Nos trinta sites veiculados, as mulheres são autoras, atualmente (julho2000), de dezessete, enquanto que os homens ficam com os treze restantes. Há que se considerar também que o Archipelago mantém o número limitado de trinta diários pessoais, tendo como critério de veiculação aqueles considerados de alto nível em termos literários. Isso denota que, no mínimo, as mulheres têm ultrapassado as barreiras que sofriam no diarismo tradicional, quando enfrentavam grande dificuldade de terem os diários publicados. É bom observar que a maioria dos anéis de site não cria limitações em termos de número de participantes, ficando o Archipelago quase como exceção em relação à exigência desse critério.

Se avançarmos em relação ao processo de continuidades e rupturas entre os diários tradicionais e aqueles que chamo de os novíssimos diários, veremos ainda que os diários contemporâneos on line modificam as características da hipertextualidade, marcando diferencialmente os pólos da escrita e da informática. Neste caso, Lévy diz que:

“o que torna o hipertexto de suporte informático específico é a velocidade. A reação ao clique sobre um botão (lugar da tela onde é possível chamar um outro nó) leva menos de um segundo. A quase instantaneidade da passagem de um nó a outro permite generalizar e utilizar em toda sua extensão o princípio da não-linearidade. Isto se torna a norma, um novo sistema de escrita, uma metamorfose da leitura, batizada de navegação (...) Por exemplo, nos perdemos muito mais facilmente em um hipertexto do que em uma enciclopédia. A referência espacial e sensoriomotora que atua quando seguramos um volume nas mãos não mais ocorre diante da tela, onde somente temos acesso direto a uma pequena superfície vinda de outro espaço, como que suspensa entre dois mundos, sobre a qual é difícil projetar-se" (Lévy, 1998, p.37)

No caso do diário on line, a hipertextualidade se apresenta com características e recursos até então antes impensados para diários impressos. Em lugar de desenhos e rabiscos muitas vezes encontrados em diários escritos tradicionais, a nova tecnologia de base informática permite a utilização de elementos os mais variados. Hoje, são bastante comuns o uso de webcams não só como recursos dentro do próprio diário ou mesmo funcionando como diários; os recursos do Real Player3 para áudio. Charles Belver Trole, em Tinta Digital[11], observa que esses recursos podem ser não só a multimídia, mas o hipertexto, a informação instantânea, a memória ilimitada, as edições personalizadas e a interatividade. Neste último caso, o e-mail tem sido utilizado como ferramenta para medir o grau de interesse entre autor e o leitor, abrindo um importante canal de comunicação entre ambos. Mais recentemente têm surgido diários e jornais em que o e-mail é utilizado como veículo para possibilitar ao leitor receber do autor as entradas diárias. Nesse caso, o leitor nem se dará ao trabalho de acessar com o mouse as entradas na página pessoal de seu diarista preferido, já que estas, por comodidade, lhe chegam, diariamente, pela caixa de e-mail.


Conclusão
Constatou-se, ao longo do texto, que os diários evoluíram das categorias de pré ou proto-diários para a idéia moderna de diário íntimo, privado, concebida no Século XIX, para, em seguida, alcançar a forma dos diários contemporâneos: os diários digitais alojados em sites na internet. Nesses momentos diferenciados os diários assumem , respectivamente, também funções diferenciadas: comunitária (antes do Renascimento), privada (durante o Renascimento e a Reforma) , como expressão do eu (no Século XIX) e como lugar de catarse, partilha, promoção de autoconhecimento (Diários On line).

Ao evoluir para essa última função, de caráter público, o diário digital termina por romper por completo a tensão público x privado apresentada em grande parte da história do diarismo. Essa noção já tendia a ser rompida com os diários de caráter privado cujos autores optaram por publicá-los ainda em vida, como foi o caso do Diário de Anne Frank.

Em outros, editores decidem publicar diários da vida de alguém após a morte do autor. Nesse sentido, a história registra muitos exemplos, alguns dos mais famosos são o do inglês Samuel Pepys, cujo conjunto de diários, escritos entre 1660 e 1669, passaram até a ser considerados modelo para esse gênero de escrita. E isso só foi possível porque os 64 volumes que ele escreveu foram publicados em 1825, quando o mundo passou a conhecê-los. Outro exemplo é o de outro inglês, John Evelyn, cujos diários foram escritos entre 1641 e 1706, mas publicados apenas em 1818, muitos anos após a sua morte. Evelyn, inclusive, é considerado um dos principais expoentes da arte do diarismo.

O diário on line, no entanto, apresenta uma natureza completamente diversa à quase totalidade dos diários tradicionais privados, escritos a partir do Renascimento, ou mesmo dos diários íntimos surgidos mais recentemente entre o Século XIX e o Século XX. Apesar de também revelarem a intimidade, aspectos da vida privada do autor, os diários on line são escritos com a expressa intenção de serem publicizados por seu autor.

O diarismo on line ou como passamos a chamá-lo, o novíssimo diário, toma uma conformação bem diferente em relação ao diário tradicional. O fato de estar alojado na rede das redes, a internet, promove um fenômeno novo, que é a possibilidade de os autores dos diários alojados em sites de provedores espalhados por diversos pontos do globo poderem em algum ponto se associar. E isso tem acontecido com alguma freqüência, formando esses escritores de diários e jornais comunidades virtuais autodenominadas de scribe tribe (tribo de escritores e diaristas).

Essas scribe tribes têm se organizado em torno de webrings (anéis de sites) que abrigam páginas pessoais de diaristas e escritores de jornais tradicionais ou mesmo por tema, como os que citamos mais acima. Entre os mais famosos anéis de sites estão o Metajournals, Archipelago, Open Pages, Diarist.Net, dentre outros.

Em termos de história do diarismo, esses agrupamentos de escritores de diários e jornais apresentam-se como inusitado. O objetivo é promover a associação e a aproximação desses escritores, de forma a resguardar a importância do fenômeno dos diários e jornais na rede. Basicamente, os webrings servem como ponto de apoio para facilitar a permanência de antigos e incentivar a adesão de novos diaristas. Há anéis de sites que fomentam o movimento através de lista de discussão entre os participantes, como é o caso do Open Pages. Ou, ainda, com a instituição de prêmios para o melhor diarista ou escritor de jornal, como por exemplo, o que promove o Diarist.Net.

Comparados aos diários tradicionais, os diários on line apresentam, como vimos, processos de continuidades e rupturas. Lévy nos lembra:

“vivemos hoje uma redistribuição da configuração do saber que se havia estabilizado no Século XVII com a generalização da impressão. Ao desfazer e refazer as ecologias cognitivas, as tecnologias intelectuais contribuem para fazer derivar as fundações culturais que comandam nossa apreensão do real...a sucessão da oralidade, da escrita e da informática como modos fundamentais de gestão social do conhecimento não se dá por simples substituição, mas antes por complexificação e deslocamento de centros de gravidade” (Lévy, 1998, p.10).



Constata-se assim que a passagem dos diários manuscritos e/ou impressos para a versão on line preserva aspectos como a memória do pólo da oralidade e a escrita, enquanto tecnologia agora transposta para a tela do computador. Embora deixe a versão em papel manuscrito ou impresso e assuma a forma de uma home page, o novíssimo diário continua sendo resultado das experiências e sensibilidade de seu autor. Lévy reconhece no livro como objeto impresso algumas características de interface, de hipertextualidade, que por estarem tão incorporadas ao dia-a-dia dos leitores acabam passando despercebidas. Ele dá como exemplo de interface a padronização que considera original:

"página de títulos, cabeçalhos, numeração regular, sumários, notas, referências cruzadas, todos estes dispositivos lógicos, classificatórios e espaciais sustentam-se uns aos outros no interior de uma estrutura admiravelmente sistemática: não há sumários sem que haja capítulos nitidamente separados e apresentados; não há sumários, índice, remissão a outras partes do texto, e nem referências precisas a outros livros sem que haja páginas uniformemente numeradas" (Lévy, 1998, pp.34-35).

Ele conceitua o hipertexto como "nós ligados por conexões" e diz que o mesmo "não deve estar limitado às técnicas de comunicação contemporâneas" . Portanto, nós de hipertexto fazem parte do processo de continuidade dos diários digitais em relação aos diários tradicionais.

Nos processos de rupturas, a velocidade de publicização do diário on line por parte do autor e de acesso por parte do leitor sofre uma grande mudança em relação ao diário tradicional. Lembremos que, inclusive, atualmente, o processo de edição de um livro impresso ainda pode levar meses desde a entrega dos originais do autor à editora até a chegada do exemplar nas mãos do leitor. Com o diarismo on line muitas etapas são suprimidas, reduzindo imensamente o tempo entre a escrita do diário ou jornal e sua publicização na internet, o que a depender do caso pode durar apenas minutos.

A velocidade com que os diários digitais são disponbibilizados e lidos por sua audiência facilita também a interatividade, que reduz a barreira do tempo na relação autor/leitor/autor. Foi a velocidade, segundo Lévy, que instaurou nas sociedades de base informática o tempo real, que modifica a relação espaço/tempo. Esta deixa de ser linear, como a das sociedades escritas, para ser pontual.

Em outro ponto fundamental de ruptura, a natureza inerente ao diário impresso, como exemplificado em Anne Frank, transmuta-se: o diário, antes um produto de foro íntimo, ao entrar na rede transforma o seu caráter. Perde a condição de narrativa privada, íntima, solitária, e ganha a publicidade própria do ambiente da internet.

E, como diz a escritora Chris Lapham, “nós estamos atualmente experimentando um passo natural na progressão evolucionária da comunicação da oralidade e literatura para os computadores...milhões de pessoas usando a internet ilustra que a sociedade está agora pronta para este novo estágio na evolução da comunicação. De fato, a comunicação mediada por computador pode retornar para trocas humanas o que o processo de escrita removeu... a computação mediada por computadores pode fazer retornar à linguagem (à palavra) o imediatismo perdido na escrita e dar a ela a presença do tempo real" [12]

NOTA

Rosa Meire Carvalho é jornalista, mestranda do Curso de Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia


BIBLIOGRAFIA
GANNETT, Cinthia.Gender and the Journal:Diaries and Academic Discourse, Albany: State University of New York Press, 1992

FRANK, Otto & PRESSLER, Miriam. O Diário de Anne Frank,Rio de Janeiro: Editora Record, 1988

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – O futuro do Pensamento na Era da Informática, São Paulo: Editora 34, 1998

LOWENSTEIN, Sharyn, CHISERI-STRATER, Elizabeth e GANNETT, Cinthia. Re-Envisioning the Journal: Writing the Self into Community, in Pedagogy in the Age of Politics, Illinois: NCTE, Urbana, 1994



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[1] http://www.wired.com/news/news/wiredview/9825.html ( 01/10/98)

[2] http://www.lins.net/webpub/whyweb.html (01/10/98)

3 http://www.links.net (01/10/98)

[3] http://www.links.net/webpub/whyweb.html (01/10/98)

[4] http://weeklywire.com/disk$ebony/tw/www/ww/03-02-98/austin_screens_feature1.html

[5] http://www.hedgehog.net

[6] http://www.ounce.com/often/requirements.html

[7] http://www.spies.com

[8] http://www.metajournals.com

[9] http://www.diarist.net/links/lists.html (05-07-00)

[10] http://www.dietdiaries.com/html/index.cfm (15-07-99)

[11] http://metalab.unc.edu/cmc/mag/1995/jul/lapham.html (15-07-99)

[12] http://metalab.unc.edu/cmc/mag/1995/jul/lapham.html (15/07/99)

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