sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Reflexão e Crítica sobre o Filme ‘Instinto’

Reflexão e Crítica sobre o Filme ‘Instinto’ (

Cast: Anthony Hopkins, Cuba Gooding Jr., Donald Sutherland, Maura Tierney
Suggested by the novel "Ishmael," by Daniel Quinn, published by Turner Publishing, Inc.

A idéia de mostrar um homem vivendo em meio a animais e os possíveis resultados psicológicos e comportamentais da inusual convivência não é novidade, mas o filme Instinto, pelo tratamento humano que dá ao sábio primatologista Ethan Powell (não um homem que se tornou animal, mas um homem que conviveu com animais, segundo as palavras do próprio personagem) tem sua nobreza.

Através de diálogos com Theo Caulder, o astuto estudante de psicologia que o trata e avalia na cadeia em que se encontra preso nos Estados Unidos após ter sido acusado de cometer assassinatos na floresta de Ruanda, onde viveu com a família de gorilas que o "adotou", Dr. Powell relata uma história de redescoberta da liberdade e de sua própria humanidade.

A partir daí, e com base nas relações observadas tanto pelo psicólogo quanto pelo primatologista no interior da ala de doentes mentais do presídio, o filme tece, inicialmente através de críticas acerca dos sistemas penitenciário e judicial, uma reflexão que aos poucos chega até os conceitos de civilização e liberdade.

Ethan Powell é firme em suas convicções, resistente e consciente: não se submete a abusos de autoridade, reagindo com uma violência brutal mas extremamente natural, simples – selvagem. Sua passagem pela casa de detenção provoca distúrbio e incomoda a diretoria, principalmente quando a atitude de Powell é reforçada pelo psicólogo e reproduzida pelos outros detentos – iluminados por um raio de sanidade, enfim.

Frente ao discurso de seu paciente, o psicólogo acaba assumindo a condição de aluno, livrando-se de sua ilusões acerca de controle, domínio e liberdade, e descobrindo a condição cativa do homem moderno – preso a grilhões invisíveis, muito mais difíceis de se quebrar que qualquer corrente. A crítica de Powell à "civilização" é radical e até inesperada num filme estadunidense (acham que a palavra não existe?), afirmando, até, a possibilidade de a solução ser a volta à vida selvagem.

Durante seus períodos de revolta, Ethan Powell emudece, priva-se da língua como forma de repúdio à cultura civilizada, como forma de protesto e reafirmação pessoal de suas idéias e descobertas. É, sem dúvida, um dos personagens mais sábios que se viu nas grandes telas nos últimos tempos.

Mas, enfim, trata-se de mais um filme de Hollywood, e como se podia esperar, o final é extremamente feliz e previsível, deixando a platéia confortável com o lugar comum, e privando o público de um incômodo extremamente necessário nos dias de hoje.

Acaba entrando no ranking dos filmes pseudointelectuais, tão rentáveis e ainda por cima úteis à produção de mentes toscas, filmes como ‘O Advogado do Diabo’, ‘Matrix’ e ‘Cidade dos Anjos’, supostamente inteligentes e filosóficos, mas incapazes de suscitar o mal-estar de um ‘Laranja Mecânica’ (ou do mal compreendido ‘De Olhos Bem Fechados’) ou a reflexão verdadeira de um ‘Sonhos’, de Kurosawa (ou ‘Ponto de Mutação’, cujo nome do diretor não me lembro, mas baseado no livro homônimo de Fritjof Capra).

Talvez Instinto não tenha se perdido tanto quanto os outros, salvo pela atuação boa de Anthony Hopkins (infelizmente muito parecida com a de ‘O Limite’), a excelente expressão de um tal doido Lester (com as calças sempre urinadas), e o sorriso charmosíssimo de Maura Tierney, mas tende, infelizmente, muito mais para esse lado clichê, ainda por cima com a trilha sonora tão "bonitinha" e tradicional de Elfman (arranjinho de coral, cordas e volume aumentando...).

Lá por trás de tudo isso que por um lado mata o filme, há, no entanto, a idéia de que a forma como a humanidade caminhou a está levando para um fim inevitável, através de sofrimento e ilusão; faltou no filme desenvolver a idéia principal na discussão: a covardia do Homem.

Afinal de contas, por que elevamos as paredes de concreto ao nosso redor, e por que criamos as instituições – a língua, as leis, as convenções? Usando a metáfora do próprio filme, por que deixamos de sentir a chuva?

Porque somos covardes – o Homem não sabe lidar com a morte, não pode aceitar viver à mercê dos predadores, das doenças, dos riscos: não soube aceitar as leis da Natureza e quis se manter à parte da Cadeia Alimentar. Bem, eis o resultado: a pavorosa civilização.