quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Anti – Anti Evolucionismo

Anti – Anti Evolucionismo
Leif Grünewald 1


Resumo: Anti – Anti Evolucionismo, assim como no artigo de Clifford Geertz – Anti-anti
relativismo, reflete sobre posturas teóricas sem obrigatoriamente defendê-las. No mesmo
espírito, este artigo tem como objetivo refletir acerca das obras clássicas do evolucionismo
escritas por Morgan, Tylor e Frazer, sem obrigatoriamente defender a corrente evolucionista.

O título deste trabalho não é por acaso. Assim como no artigo do saudoso
professor Clifford Geertz intitulado “Anti – Anti Relativismo”, no qual Geertz
ataca as posições teóricas anti-relativistas sem obrigatoriamente defender o
relativismo, neste tentarei através de comentários rabugentos a propósito de
pontos que freqüentemente são mal-compreendidos quando a análise
acadêmica retorna aos preceitos de uma teoria evolucionista, re-iluminar o
horizonte deste movimento teórico. Devo confessar que não é a minha intenção
resgatar qualquer resquício de uma antropologia evolucionista, uma vez que
através de todos esses anos, já foi exposto pelos antropólogos de plantão à
impossibilidade e a parcial incoerência deste momento de produção intelectual.
Impregnado da certeza transmitida pelo comentário do professor Marshall
Sahlins, ao afirmar que ao que concerne a antropologia só existem duas
certezas, a longo prazo: a primeira é a de que estaremos todos mortos; mas a
outra é a de que estaremos todos errados. O objetivo deste é,
verdadeiramente, um pedido de desculpas, especialmente a James Frazer,
Lewis Morgan e Edward Tylor, por durante todo este tempo acusarmos
1 Leif Grunewald é discente de Ciências Sociais da UFES. É bolsista do NAV - Núcleo
Audiovisual para os cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Também desenvolve – em conjunto
com a Profª Drª Mirela Berger – atividades de estudo e pesquisa em teoria antropológica,
antropologia visual, identidade, representação e fotografia.
GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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veemente as teorias destes autores de essencializantes, ou de
irremediavelmente incoerentes, sem estarmos imerso plenamente na chama do
contexto histórico na contribuição antropológica que elas forneceram. Assim, é
nesse espírito reconciliador que ofereço à seguinte pasticherie2 como um
sincero pedido de desculpas.
Um dos principais argumentos contra a coerência das culturas e a
impossibilidade de se implementar uma análise sistemática e integradora das
mesmas através da etnografia, é que, assim como em um certo rio filosófico, as
culturas estão sempre mudando.
O fluxo é de tamanha intensidade que é impossível mergulhar duas vezes na
mesma cultura, nem ao menos tentar traçar uma linha progressiva cujo
principal objetivo seria indicar a trajetória obrigatória deste rio cultural.
Entretanto, a não ser que alguma identidade e consistência sejam
simbolicamente impostas às práticas culturais, e ao próprio rio que estão
imersas, se torna inviável tanto a possibilidade de se falar em sociedade
quanto a capacidade dos antropólogos e das pessoas em geral de manterem a
sanidade. Dessa forma, a única alternativa para a descrição de qualquer “rio
cultural” consiste na sua comparação com a ordem significante de todos os
outros rios.
A mesma lógica rege a etnografia, já que nenhuma boa etnografia é
autocontida. Implícita ou explicitamente, ela é sempre um ato de comparação.
È justamente devido a esta comparação que a descrição etnográfica torna-se
objetiva. Não no sentido ingênuo de uma construção isolada - justo o contrário,
2 A palavra pastiche descreve um gênero artístico – e também literário. A ela compreendem 2
significados: o primeiro corresponde ao termo inglês hodge-podge , cunhado na Inglaterra no
fim do século XIX para designar a mistura de diversos ingredientes. Etimologicamente se refere
à versão francesa do termo greco-romano pasticcio - uma referência a certo tipo de torta feita
com diversos ingredientes; o segundo significado compreende a técnica literária utilizada para
imitar em tom jocoso – mas não desrespeitoso - um outro estilo. Emprega-se aqui o primeiro
significado.
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Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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ela ascende a uma compreensão universal na medida em que faz incidir sobre
a percepção de qualquer sociedade as concepções de uma outra cultura
distinta.
Marcando o principio dessas tentativas analíticas integradoras, pelos fins do
séc. XVIII, uma série impressionante de informações razoavelmente fiéis sobre
os costumes dos povos “selvagens” ou “bárbaros”, isto é, povos mais ou menos
diferentes dos ocidentais “civilizados”, estava já acumulada. Os missionários
jesuítas, para citar um exemplo, deixaram um volumoso material sobre as
tribos indígenas da América do Norte oriental e central no século XVII.
Cientistas ocidentais começaram a sistematizar esse material e, assim, foram
levados a comparar os diferentes conjuntos de costumes e conjeturar sobre a
origem e a evolução da cultura e da sociedade em geral. A maior parte do
trabalho pioneiro neste campo foi feita por filósofos sociais, como Hobbes,
Locke, Voltaire e Rousseau. Logo no começo do século XIX, fundaram-se
sociedades científicas na Europa e nos Estados Unidos para o estudo da
“Etnologia”. Organizaram-se mostruários de museus e lançaram-se publicações
científicas. Grupos e indivíduos foram levados para países ultramarinos a fim
de serem exibidos nas cortes reais, nas feiras e exposições. O interesse pela
Antropologia propagou-se a quase todos os países do mundo por intermédio de
organizações oficiais, sociedades científicas, museus, cientistas e leigos
interessados.
Logo depois do meado do século, as publicações antropológicas traziam
seções separadas ou listas de livros sobre “Antropologia Física” (ou
simplesmente “Antropologia”), “Etnologia” (para os interessados em informes
sobre diferentes costumes), “Linguística” (para os interessados em linguagem)
e “Arqueologia”. A seção de Etnologia acabaria sendo subdividida em
“Religião”, “Artes”, “Vida Econômica” e “Organização Social”.
A grande era da Terra e do homem tornou-se reconhecida e cientificamente
aceita por volta de 1840. Até então os arqueólogos tinham que adaptar os
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locais conhecidos, como as ruínas de Stonehenge, e vários utensílios toscos
de pedra, que iam sendo descobertos com a construção de estradas e outras
escavações, à teoria que atribuía a criação da Terra a uma época
relativamente recente. Uma datação amplamente aceita, calculada pelo Dr.
John Lightfoot, da Universidade de Cambridge, em 1654, situava esse
acontecimento no dia 23 de outubro do ano 4004 A.C. às 9 horas da manhã.
Também os geólogos, entre outros, reconheciam a vasta idade da Terra e
apresentavam em ordem cronométrica, inclusive a seqüência dos períodos
glaciais, abrangendo aproximadamente o período do desenvolvimento primitivo
do homem. Uma comissão científica do governo dinamarquês já havia
estabelecido (1836), através de pesquisas feitas em sambaquis, uma
seqüência de materiais das idades da Pedra, do Bronze e do Ferro. Uma seca
ocorrida entre 1853 – 1854 abaixou o nível dos lagos suíços e revelou os
esteios e outros restos de vilas lacustres da Era Neolítica (Idade da Pedra
Polida). Examinando utensílios da Era Paleolítica (Idade da Pedra Lascada) e
esqueletos fósseis, os antropólogos se arriscaram a recuar um milhão de anos,
ou mais.
Talvez fosse inevitável, em vista da profunda impressão da teoria da evolução
orgânica no mundo científico que o pensamento dos fins do século XIX
relativamente a cultura e a sociedade fosse monopolizado por teorias análogas
de evolução social e cultural. Essas teorias surgiram facilmente de idéias
anteriores, nas quais informações sobre povos não ocidentais eram utilizadas
para explicar o progresso desde o selvagem primitivo ao homem europeu
educado. Partia-se do pressuposto de que o comportamento dos intelectuais
do século XIX (os próprios autores da teoria) representava o grau mais alto da
escala evolutiva, de modo que os costumes dos outros povos que diferiam
desse comportamento representavam “sobrevivências“ de estágios primitivos
de “barbarismo” e, abaixo disso, de “selvageria”. Essa interpretação tentadora,
mas muito simplificada da história geral do desenvolvimento e diferenciação
cultural foi refutada pelos antropólogos no início do século XX. O trabalho
científico de campo tornou-se preocupação crescente do antropólogo
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profissional. Em 1879, o governo norte-americano criou um “Departamento de
Etnologia Americana”. A criação desse órgão é um dos marcos do
desenvolvimento de um grupo profissional de cientistas dedicados unicamente
à Antropologia, intitulando-se antropólogos e fazendo, na linguagem da ciência,
“trabalho de campo”. O registro antropológico não podia ficar mais na
dependência de observações causais de viajantes ou de trabalhos acidentais
de funcionários, missionários, mercadores e outros.
Quando tomou forma a primeira teoria antropológica referente à cultura, o seu
grande objetivo era estabelecer, se possível, grandes “leis” como as que
constituíam marcos em outras ciências, sobretudo nas ciências exatas: a lei de
empuxo do grego Arquimedes: as leis Newtonianas que haviam revolucionado
as bases da física clássica e a lei da hereditariedade de Mendel. Os
pensadores dos princípios do século XIX buscaram particularmente alguma
idéia ou seqüência que pudesse explicar de alguma forma, o panorama geral
do “progresso” humano, alicerçado sobre as concepções de indivíduo e
pessoa, que passavam aquém da complexidade significativa de categoria
nativa, em voga na época.
O norueguês Henrik Steffens, por exemplo, frequentemente tachado como o
mais excêntrico e o pioneiro do grupo formulou uma noção de raça fundada
sobre metáforas e abstrações a respeito da definição racial a partir de 4
elementos químicos essenciais e 4 sistemas corporais. Em decorrência dessa
combinação, estaria determinado 4 possíveis padrões de comportamento,
transformando o compasso da diversidade cultural em uma escada evolutiva,
porém sem nunca ter desassociado natureza de cultura. Pela lógica de
Steffens, quanto mais a raça humana pudesse produzir, mais a natureza
poderia produzir, uma vez que a acentuação desta produção é a recapitulação
do propósito da humanidade. A noção de raça serviu meramente como o
veículo de evolução cultural, o verdadeiro propósito de toda humanidade.
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Carl Gustav Carus, profundamente inspirado pelas idéias de Steffens, delimitou
um sistema racial cuja classificação se dava pelo humor específico de cada
grupo e no agrupamento racial segundo a luminosidade, criando a divisão
linear em grandes grupos: diurnos, crepúsculo oriental, crepúsculo ocidental e,
por ultimo, o noturno. O progresso marchava de leste para oeste, assim, o
comportamento do homem europeu, intelectual, recapitulava estágios de
desenvolvimento característicos de seus ancestrais mais primitivos. Somente
as pessoas do dia possuíam alguma habilidade real de conceber idéias
demasiadamente profundas relacionadas a temas como beleza, amor e
verdade. Com o passar do tempo, segundo Carus, a luz e o poder se
espalhariam sobre todas as partes da terra.
Razões similares dominaram o trabalho de Gustav Klemm em seu trabalho
dividido em 10 volumes chamado General Cultural History of Humanity (1843)
trabalho hoje prontamente reconhecido como a primeira exposição
antropológica do conceito de cultura. Invejado por seus contemporâneos H.L.F
Pitt Rivers e E. B. Tylor, Klemm possuía um vasto acervo etnológico que o
levou a formulação de um conceito de raça reduzido a polaridades. Segundo
ele, existem 2 tipos de pessoa – ativas, ou masculinizadas, e passivas, ou
feminilizadas. Assim como em um casamento. Cada parte necessita de seu
pólo opositor para se completar. O forte, entretanto, dominava plenamente o
fraco. Por esta fórmula, a civilização européia necessariamente tomaria todo o
mundo, por estar a frente de todos os estágios culturais. Da “selvageria”,
passando pela “domesticação”, até chegar a “liberdade”.
Pela década de 1860, essas teorias se canalizavam todas em uma
estruturação evolucionária. Os estudiosos aplicavam por analogia à cultura e à
sociedade a mesma linha geral que Darwin havia postulado em sua Origem
das Espécies (1859) para a evolução orgânica. Aqui, aparentemente estava
uma grande lei, que poderia explicar todo o desenvolvimento do costume. Temse
dito frequentemente que na atmosfera de meados do século XIX, quando a
evolução biológica obtinha aceitação como uma nova “grande idéia” crítica,
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Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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uma teoria referente a cultura e a sociedade não poderia ter tido nenhuma
outra ênfase exceto a evolucionária. Este período de intensificação do
processo colonizador localizado sobretudo no século XIX deu-se forjado sobre
a doutrina fundamental do racismo que consistia sobretudo na consciência da
identidade cultural própria de cada povo, a introdução de graus hierárquicos
nestas culturas e, conseqüentemente, o estabelecimento de relações de
domínio entre esses povos. À afirmação da superioridade de certas civilizações
sobre as outras se adicionou, nos séculos XIX e XX, as teorias que assimilam
esta hierarquia a um determinismo natural fundamentado no próprio conceito
de raça que recheava qualquer formulação antropológica construída na época.
Assim, o vocabulário característico dessa interpretação torna-se possível o
reconhecimento quase imediato. Além do termo chave evolução, há uma
preocupação com origens e estágios. Elementos de culturas modernas que
parecem persistir do passado distante são “sobrevivências”. Se bem possa
haver uma “degeneração”, na qual o processo “evolucionário” sofre recuos, a
tendência dos “organismos” culturais e sociais é ascendente do “simples” para
o “complexo”, A grande estruturação dos estágios é tríplice: selvageria,
barbarismo e civilização; os dois primeiros, representantes não apenas no
passado, mas também em culturas contemporâneas “primitivas” que ainda não
evoluíram além de um ou outro desses estágios.
Erroneamente classificados como meros compiladores cuja produção nunca
passou pelo crivo do trabalho de campo e herdeiros de Bachofen, Maine e
McLennan e seu Primitive Marriage (1865) . Morgan, Frazer e talvez, o mais
brilhante dentre todos eles, Tylor, consolidaram-se como os expoentes de uma
teoria antropológica evolucionista devido ao interesse que foram capazes de
despertar nos teóricos europeus. Morgan desenvolveu exaustivamente as
bases para o que viria a se tornar a escola antropológica americana,
profundamente arraigada sobre a formulação teórica de conceitos para as
abstrações relativas aos dados recolhidos durante o trabalho de campo que,
até então, continham todos os trabalhos antropológicos cujos objetivos eram
uma reconstituição objetiva do passado.
GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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A orientação evolucionária do século XIX é muitas vezes referida em
retrospecto como uma espécie de “super-história” (teoria do progresso) e o
“sistema cultural significativo” (Keessing, 1972:257). Este estudo tende sempre
a ser a totalidade da cultura a partir da origem – o que levou o evolucionismo a
duras críticas, já que esse ponto de vista quase não leva em conta os fatos
específicos referentes as culturas com sistemas específicos e locais, por insistir
no emprego de um método comparativo grosseiro para extrair supostas
“sobrevivências” dos modernos acervos de costumes em todo o mundo e em
seguida dispunha-os arbitrariamente em seqüência de estágios
regressivamente até às origens. A evolução, então, era um fio unilinear através
de toda historia cultural, já que teria raízes em uma vaga unidade psíquica pela
qual todos os grupos humanos teriam potencialmente a mesma capacidade de
desenvolvimento evolucionário, embora alguns estivessem adiantados devido a
fatores geográficos ou climáticos.
Cada linha descrita pelos teóricos evolucionistas apenas reflete o momento
político descrito em sua época. A criação de um outro, seja-o “Metafísico” como
Comte afirmava, ou “Selvagem”, expressa, essencialmente, a criação de um
Outro, que não está necessariamente localizado em uma categoria oposta a
categoria do “Eu” antropológico. Repousa, intacto ou não, na mesma categoria,
apenas em um lado diferente, para que do diálogo entre a “tese antropológica”
e a “antítese nativa”, mesmo buscando-se o entendimento a partir da autoreferência,
floresça o entendimento de algo novo, e de certa forma
independente a ambos, a alteridade.
O difícil acesso às obras destes antropólogos devido a erudição imensa e a
longa extensão e numerosos volumes, além do pesadelo lingüístico derivado
da carência de traduções das obras destes pensadores contribuí para o
surgimento de um império “logocêntrico”. Frazer no prefácio de The Golden
GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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Bough, se declara particularmente familiar com a “hidra do erro”3 residente que
poderia surgir em sua análise antropológica, ao esperar que cortando uma de
suas cabeças, se preveniria do ataque de uma outra cabeça, ou até mesmo do
ataque da mesma, que certamente renasceria, sendo a única coisa que
aguardava era o perdão de seus leitores. Frazer ainda contava com a candura
e a inteligência de seus críticos para corrigir as confusões que provavelmente
restariam ao longo de seu trabalho fruto da construção de suas declarações
fundadas sobre inúmeras comparações hipotéticas.
Frazer, posteriormente na mesma obra, reconhece nossa dívida com os
“selvagens” já que as únicas características atribuídas a eles eram denúncias
ridicularizando-os, quando a eles devemos toda nossa sapiência e nosso
conhecimento intuitivo. Todo o conhecimento tem sido passado de mãos em
mãos durante o passar dos anos, porém a memória dos que o construíram é
seletiva, sugerindo a espontaneidade do surgimento de todo o conhecimento
no mundo.
Na figura do antropólogo Americano Lewis Morgan repousa o direito de ser
considerado o precursor do trabalho de campo. Ainda que Bronislaw
Malinowski tenha sido o primeiro a, de fato, sistematizar o método etnográfico e
nos atentar para a importância do trabalho de campo, além da interpretação
dos dados recolhidos a partir de uma observação compreensiva, Morgan foi o
primeiro a, em 1859, estudar várias “tribos” nos estados americanos de
Nebraska e no Kansas e a publicar o resultado de sua “etnografia” no Indians
Journal 1859-1862. Mesmo que as conclusões a respeito dos iroqueses em A
sociedade antiga sejam equivocadas (como Boas demonstrou), não há como
negar tal fato ao antropólogo Americano.
3 Alusão a Hidra de Lerna, animal mitológico grego que possuía corpo de dragão e diversas
(7,8,9, e até 10) cabeças que se regeneravam toda vez que uma delas era cortada.
GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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Lewis Morgan, na década de 1840 desenvolve e estabelece um grupo
chamado “Grande Ordem dos Iroqueses” incentivando um melhor
conhecimento desta tribo e a garantia de sua permanência, incentivo este que
culminaria na campanha contra a Ogden Land Company, na qual acreditava-se
estar privando os Índios Seneca de suas terras, Da briga com a Ogden Land
Company floresceria uma intensa amizade com Ely S. Parker, um dos índios
Seneca.
Esses pontos parecem ter escapado da análise dos críticos mais ferrenhos a
tese evolucionista quando colocaram a produção do trabalho sistemático de
campo como rito de passagem para o ofício antropológico. Esqueceram de ver
que, apesar das insistentes críticas, a manutenção de uma antropologia
organizada lingüisticamente em termos como “eu” e “você”, “aqui” e “ali”,
“agora” e “então” transmite o mesmo sentimento opressor atribuído ao
evolucionismo, uma vez que aquele que usa o pronome “eu” constitui dessa
maneira o espaço, o tempo e os objetos de seu ponto de vista – egotismo e
vontade de poder, afirmando sua autoridade constitutiva do mundo.
Agradecimentos à turma de Biblioteconomia e aos calouros 2007/1 do curso de Ciências
Sociais da UFES, Mãe, Pai e Buio. Ao Tuchinho, pois é a lembrança carinhosa que sempre a
me ancora neste mundo, Ao grupo Etnocidades e sobretudo aos professores Sandro José da
Silva e Mirela Berger, pois sem a ajuda, debates, carinho e a orientação deles em todos os
momentos em que cada um desses pés queria sair do chão, nenhuma dessas linhas teria sido
escrita. Ao professor Claudio Marcio, sempre pelas preciosas indicações e - imensamente - a
Isadora, dádiva de Ísis, pela eterna cumplicidade.
GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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Referências
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HERSKOVITS, M J. Antropologia cultural: man and his works. São Paulo:
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KESSING, F. M. Antropologia cultural. A ciência dos costumes. Rio de Janeiro:
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LINTON, Ralph. Cultura e personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1979.
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SAHLINS, M. Esperando Foucault, ainda. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
MORGAN, Lewis. Spartacus educational. Disponível em: http://www.spartacus.
schoolnet.co.uk/wwmorganL.htm . Acesso em: 11/07/2007.

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